A palestra será ministrada pela Profa. Kadma Marques.
Capítulo
10 (Curso de 07 de fevereiro de 1991)
Quase
dez anos marcam o intervalo de tempo que liga os cursos ministrados por Pierre
Bourdieu no Collège de France de 1989/1992, publicados no Brasil em 2012 sob o
título Sobre o Estado, e aqueles lecionados
entre 1998 e 2000, também lançados postumamente, sob o título Sur Manet: une révolution symbolique. Ao
longo deste período, que mudanças sofreram as formulações teóricas de Bourdieu acerca
das relações de dominação e da violência simbólica? Em Sobre o Estado, esta forma particular de exercício do poder é
abordada como um metacampo ou um campo dos campos. Responsável pela
disseminação de princípios de visão e de divisão social, os agentes do Estado
agem por meio da instituição de crenças que se corporificam individualmente e coletivamente
como categorias mentais (cognitivas e perceptivas). Como então seria possível
pensar o Estado sem o recurso a categorias de pensamento geradas pelo próprio
Estado? Bourdieu municia a ação do sociólogo que busca dar resposta a esta
questão: é na articulação inédita entre tendências objetivistas e
subjetivistas, apenas em aparência excludentes, que se conforma um materialismo
simbólico capaz de desvelar os modos mais sutis pelos quais o Estado produz “um
mundo social ordenado sem necessariamente dar ordens”. E para além do trabalho
do sociólogo, por quais vias é possível aos agentes sociais romper o exercício
exemplar desta violência simbólica naturalizada por um Estado todo-poderoso? É
neste sentido que os conceitos de violência simbólica e revolução simbólica parecem
apontar homologias estruturais que atravessam os mais diversos campos de ação
social, articulando-se como polos opostos que estruturam a resposta a esta questão.
Constituindo o eixo fundamental das reflexões do “último Bourdieu”, o conceito
de revolução simbólica presente em Sur
Manet assinala uma ruptura radical com a doxa que embasa o exercício de
toda violência simbólica. Este tipo particular de ruptura subsidia a
compreensão sociológica acerca da dinâmica de mudança social e, neste caso, designa
particularmente o teor herético das práticas impressionistas que minaram o
exercício da violência simbólica estatal sobre o campo da arte moderna. Deste
modo, a adoção desta perspectiva relacional e retrospectiva configurada pela dupla
leitura de Sobre o Estado e Sur Manet, constitui-se em estratégia
de apropriação que preserva e prolonga o caráter de “teoria em ato” formulada por
Bourdieu, dos cursos sobre política estatal àqueles dedicados ao campo
artístico.
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