Na
terceira sessão do seminário, cujo tema foi Gênese e
Institucionalização do Estado, contamos com a presença dos
professores Roberta Manuela Barros, José Vicente Tavares e Luiz
Fábio Silva Paiva.
Roberta
Manuela Barros
Na sua intervenção, Manuela Barros enfatizou a
importância da reflexão metodológica de Bourdieu no seu projeto de
reconstrução da sociogênese do Estado moderno. Lembrando a
modéstia como característica importante no trabalho do sociólogo,
ela citou Bourdieu: “O grande sociólogo não é aquele que trata
dos grandes problemas, mas aquele que converte os pequenos problemas
em uma grande reflexão.” É neste sentido que Bourdieu convida a
pensar o Estado “pequeno” que se infiltra em nós. Influenciado
por Durkheim, Weber, Mannheim e Bachelard, Bourdieu propõe uma
concepção da Sociologia como uma ciência do “desvelamento do
real”. Diante disto, tratar sociologicamente o Estado, segundo
Bourdieu, consiste em “descortinar” a amnésia da gênese da
instituição, ou seja, desvelar o arbitrário dos começos. Ao
adotar a vigilância epistemológica preconizada por Bachelard,
Bourdieu considera a desconfiança sistemática face às adesões
(deformações ideológicas) e aderências (mediadoras de prenoções)
como uma estratégia imprescindível ao estudo sociológico do
Estado.
José
Vicente Tavares
Prolongando a apropriação teórica da professora
Manuela Barros, José Vicente Tavares iniciou sua palestra
ressaltando a tácita aceitação dos “dominados” no exercício
da violência simbólica. De fato, esta problemática atravessa toda
a obra de Bourdieu, mediante um permanente esforço de superação
das oposições entre as dimensões micro e macro da análise
sociológica. Tal esforço indica um diálogo implícito com Michel
Foucault, apesar de, em seus cursos sobre o Estado, Bourdieu ter
ignorado as reflexões deste filósofo acerca da governamentalidade.
Por isso, o professor José Vicente alertou que para entender a
gênese do Estado, não basta ler Bourdieu. Porém, cabe destacar a
contribuição importante do sociólogo que critica Elias e Weber por
não terem esclarecido quem são os agentes do Estado que possuem o
poder do monopólio. A fim de esclarecer esta questão, Bourdieu
define quatro perguntas fundamentais: Quem tem interesse no Estado?
Há interesse em universalizar? Quem é o portador desse interesse?
Quem detém o monopólio dos monopólios? A imagem do Estado como
campo dos campos
remete-nos à teoria bourdieusiana dos campos de ação social que,
como observou o palesrante, busca reconhecer a pluralidade do mundo
social. Mesmo que Bourdieu não cite Alain Tourraine1,
a interpretação do conceito de campo em termos de lutas foi
certamente inspirada em suas análises. Por fim, o professor José
Vicente evocou um terceiro Bourdieu que, na última fase de sua
carreira, aproximou-se de certo “utopismo racional”, cuja base se
encontra no uso ético de uma sociologia reflexiva, dá mostras de
comprometimento com a transformação social.
Luiz
Fábio Silva Paiva
Por sua vez, o professor Luiz Fábio Silva chamou
a atenção do público para o fato que trabalhar com a sociologia de
Bourdieu significa também, em certo momento, ser capaz de deixar
Bourdieu de lado. Dito isto, o professor apresentou “Sobre o
Estado” como um texto no qual Bourdieu mobiliza seus conceitos
teóricos mais para interpretar o Estado, do que para fazer uma
reflexão sobre o Estado. A questão central à qual Bourdieu tenta
responder é: como é possível que se obedeça ao Estado? A
explicação desta aceitação aparentemente dócil encontra-se no
conceito de violência simbólica, ligado ao senso prático. Na linha
dos escritos de Durkheim, Bourdieu contesta a visão a qual sugere
que a coerção seja uma imposição autoritária. Pelo contrário,
trata-se de um processo de interiorização da dominação que faz
com que não sintamos esta imposição. Portanto, Bourdieu acusa os
sociólogos que perdem tempo querendo encontrar as origens da
sujeição para chegar à prova final, ao invés de pensar o como se
configurou este fenômeno. Bourdieu retoma também a ideia de Marx de
uma dominação que não se faz somente pela força, mas que precisa
universalizar um ideal de classe convertendo-o em ideal universal.
Assumindo uma posição crítica face ao Estado, Bourdieu insiste
sobre a necessidade de repensar as dominações a partir do estudo
das posições dos indivíduos na sociedade.
1
Alain
Touraine, Sociologie
de l'action,
Paris, Éditions du Seuil, 1965 et Critique
de la modernité,
Paris, Fayard, 1992. [Obras
disponíveis online em francês
http://classiques.uqac.ca/contemporains/touraine_alain/touraine_alain.html
]
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