Capítulo 05 (Curso de 15 de fevereiro de 1990)
A VIRADA CULTURAL HISTORIOGRÁFICA
E A CONTRIBUIÇÃO DE BOURDIEU
Nossa participação tem
como objetivo mostrar em que e como as críticas às práticas dos historiadores,
esboçadas por Bourdieu, no “Curso de 15 de fevereiro de 1990”, em grande
medida, foram absorvidas, subsequentemente, pela “História Cultural”. Em
primeiro lugar, situaremos os pontos tratados pelo “Curso”: “O oficial e o
privado”, “Sociologia e história: o estruturalismo genético”, “História genética
do Estado”, “Jogo e campo”, “Anacronismo e ilusão do nominal” e “As duas faces
do Estado”. Nosso objetivo é, portanto, saber qual era o fundamento da crítica
que Bourdieu fazia aos historiadores do período em que desenvolvia seus cursos
e se os historiadores absorveram tal crítica do ponto de vista prático. Em
seguida, partindo do ponto de vista de que esse “Curso” está datado, pois já se
foram um quarto de século desde que Bourdieu apresentou sua crítica à história,
no Collège de France, mostraremos que, desde então observou-se uma grande
reviravolta na historiografia mundial, na brasileira e mesmo no Ceará. Ele
próprio, Bourdieu, juntamente com Mikhail Bakhtin, Nobert Elias, Michel
Foucault, contribuíram imensamente com o que denominamos hoje de História
cultural. Segundo o historiador inglês Peter Burke, em seu livro “O que é
História cultural?”, publicado no Brasil em 2005, quinze anos depois do término
do “Curso” proferido no Collège de França, esse filósofo que se transformou em
antropólogo e sociólogo muito nos ensinou, a nós historiadores, com seus
estudos sobre o século XIX, notadamente sobre os berberes e sobre os franceses,
pois os conceitos que emergiram desses estudos foram fundamentais para os
historiadores culturais. Entre os conceitos recorrentes à obra de Bourdieu,
levado a efeito de uso pelos os historiadores da Cultura, foi sua “‘teoria da
prática’, especialmente o conceito de ‘habitus’” que suscita grande interesse.
Isso porque seu estudo examinou a prática “em termos de improvisação sustentada
numa estrutura de esquemas inculcados pela cultura tanto na mente como no
corpo”.[1] Ainda sobre esse ponto, tentaremos
traçar as aproximações entre Bourdieu e alguns historiadores como Hobsbawn e Roger
Chartier e suas preocupações com as permanências e rupturas na história que nos
faz pensar que, talvez, seria anacrônica ou mesmo datada, porque não
corresponde mais à realidade das pesquisas da historiografia atual, a afirmação
de que “paradoxalmente, os historiadores são, de todos os eruditos, os mais
propensos ao anacronismo, em grande parte porque são vítimas da ilusão da
constância do nominal, ilusão segundo a qual uma instituição que guardou hoje o
mesmo nome da Idade Média é a mesma”.[2] Mesmo hoje, as análises
dos historiadores sobre o Estado tem tendido a focalizar as práticas
burocráticas como estratégia, cuja a gênese “é a gênese de um lugar de gestão
do universal, e ao mesmo tempo de um monopólio do universal, e de um conjunto
de agentes que participam do monopólio de fato dessa coisa que por definição, é
o universal”[3].
Portanto, Bourdieu que detectou a distância entre sociólogos e historiadores,
inspirou, com suas pesquisas, não só a aproximação, mas a mudança
historiográfica que se verifica através da pesquisa atual.
[1]
BURKE, Peter. O que é história cultural?. 2ª ed., Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
[2] BOURDIEU,
Pierre. Sobre o Estado (Cursos no Collège de France (1989-1992). São Paulo:
Companhia das Letras, 2014.
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