terça-feira, 31 de março de 2015

Um Pouco das Palestras - 2° sessão

Na segunda sessão do seminário, contamos com a presença de Andrea Leão e Pádua Santiago. Nas palestras e no debate, a questão das relações entre história e sociologia foi recorrente tanto como a reflexão sobre o uso que Bourdieu faz da história nas suas aulas sobre o Estado.
Andrea Leão
Andrea salientou que Bourdieu cita mais de 400 autores, o que claramente representa uma vasta documentação para esses 3 anos de curso e deixou claro que a transcrição dos cursos na forma de um livro provoca ao mesmo tempo inteligibilidade e estranheza.
Lembrou que as reflexões de Bourdieu só fazem sentido se forem consideradas no âmbito da teoria da dominação que trata dos processos de interiorização da objetividade. "O Estado, na visão bourdieusiana, não atua numa relação de exterioridade", pelo contrário. Andrea insistiu sobre a dimensão subjetiva da interiorização das categorias do Estado. "Os fundamentos da noção de legitimidade e da autoridade dos governos inscrevem-se nas mentes dos indivíduos por meio de sutis e complexas operações simbólicas de oficialização, teatralização dos signos de poder". Afirmou, na continuidade do foi dito na primeira sessão do nosso seminário, que o Estado é um agente de construção da realidade social.
Retomando o que Bourdieu chama de “fenomenologia do Estado”, Andrea propôs desconstruir a ideia comum de "ausência do Estado" e repensá-la como uma representação que oculta a onipresença do Estado moderno, "uma presença que se afirma na ausência, nos detalhes cotidianos e banais".
Em seguida, inserindo Bourdieu nas tradições estrutural-funcionalista e marxista, Andrea citou duas características do pensamento do autor sobre o Estado ou melhor, duas “propriedades”: a primeira é morfológica, no sentido durkheimiano da formação dos campos numa morfologia espacial, e a segunda é histórica já que os campos se constituem historicamente através de lutas específicas, o que faz deles uma realidade histórica.
Neste lógica, Andréa alertou-nos sobre a importância de não desconectar os objetos sociológicos da realidade histórica. Seguindo Elias, o sociólogo deve ser atento para não produzir um conhecimento “impressionista”, ou seja, descontextualizado, sem temporalidade. Andrea afirmou que, de modo geral, todos os sociólogos enfrentam uma tensão permanente: de um lado a regularidade das leis, e, do outro lado, a historicidade dos seus objetos de estudo.  "É estudando a gênese dos fenômenos sociais que o sociólogo pode explicar a transformação do particular em universal." No caso do Estado, o estudo de sua gênese permite entender o monopólio do universal, outra forma de definir a violência simbólica. Por fim, Andrea explicou que o projeto intelectual de Bourdieu se encontra ao longo do livro na construção de uma teoria materialista do simbólico.
Logo após, Andrea voltou à atualidade, em particular às políticas de cultura ao nível transnacional evocando a homenagem aos escritores brasileiros que aconteceu em Paris dos dias 20 a 23 de março 2015.

Pádua Santiago
Apesar de denunciar o olhar arrogante de Bourdieu sobre as outras disciplinas e a sua representação da supremacia da ciência sociológica, Pádua apresentou-o como um dos autores mais influentes na virada dos anos 80 na disciplina histórica, tendo grande importância junto com Norbert Elias na construção da nova história cultural no Brasil como em outros países. "Temas hoje importantes para a  história, como comportamentos ligados à cultura material, e em particular ritos de higiene, foram trazidos para nós historiadores por Elias."
Pádua declarou que, de modo geral, Sobre o Estado é uma crítica aos historiadores. “Bourdieu exige da história uma abertura para outras disciplínas”, esquecendo o “verdadeiro ofício” do historiador, como nos lembrou Philippe Genêt na sua palestra no Collège de France. Reforçando essa crítica, Pádua chamou atenção ao fato de que “Bourdieu não leva em conta que o historiador é o pesquisador do arquivo empoeirado,” o historiador é aquele que “faz uma reconstrução, tenta retraçar o significado do tempo." Explicitou também que a história não é tão parada, tão estagnada quanto Bourdieu mostrou. "Dos anos 90 para cá, temos uma riqueza! A história avançou!" Neste sentido, "O texto de Bourdieu é datado”.
Pádua salientou também que o fato de ser palestra, de trabalhar na oralidade, cria uma liberdade, ao contrário da escrita que supõe uma responsabilidade maior. "No curso, Bourdieu disse coisas que não escreveria (publicaria), e por isso temos que ter todo cuidado ao fazermos uma crítica” desse texto como se ele tivesse sido escrito como um  livro. Durante o debate, essa observação foi reforçada e apresentada como elemento fundamental na apreensão desta obra de Pierre Bourdieu.
Voltando à análise teórica elaborada pelo sociólogo, Pádua apontou a conexão entre o Estado e o comércio presente na concepção do Estado moderno. O conceito de capital, na teoria bourdieusiana, deve ser entendido como um elemento central da metáfora economista que Bourdieu constrói para estudar a cultura em termos de bens materiais. Este pensamento incomoda um pouco o historiador, pois na concepção de Bourdieu a história se afasta dos vivos, numa representação desencarnada que, de certo modo, perde de vista o homem real, o chão.
Por fim, "esse estudo sobre o Estado sempre tem um viés negativo. Neste sentido, Bourdieu não se diferencia de Foucault." Em contrapartida, Pádua convidou a retornarmos à questão da positividade, pensar a dimensão positiva do Estado moderno, ou seja, considerar o Estado não somente como uma instância que limita, controla e domina, mas que também cria e abre novas possibilidades.

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